sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Calígula, de Camus

- mas é certo que a amava. na verdade, é duro ver morrer o que ontem se apertava ao peito.
- e tu?
- eu? sou apenas a velha amante.
- é preciso salvá-lo.
- tens-lhe afeto, então?

sábado, 24 de abril de 2010

o balcão

o coração nos leva à perdição. cremos ser donos de nossa bondade: nós somos escravos de uma serena languidez. é ainda de outra coisa que se trata, não de inteligência. (hesita) seria de crueldade. e além dessa crueldade - e através dela - um caminhar hábil, vigoroso em direção à Ausência. em direção à Morte.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

o ovo apunhalado

aquele menino trazia na testa a marca inconfundível: pertencia àquela espécie de gente que mergulha nas coisas às vezes sem saber por que, não sei se na esperança de decifrá-las ou se apenas pelo prazer de mergulhar. essas são as escolhidas — as que vão ao fundo, ainda que fiquem por lá. como aquele menino. ele não voltou.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

pedras de calcutá

os dois na chuva recitando Clarice Lispector, para te morder e para soprar a fim de que eu não te doa demais, meu amor, já que tenho que te doer, meu Deus, tu decorou até hoje,

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

inventário do ir-remediável

experimentou sentir ódio, lembrar pessoa, coisas e fatos desagradáveis, apalpar novamente a tessitura sombria do que vivera, a massa espessa de que era feita a mágoa, e todos os desencontros que tinha encontrado, e todos os desamores desilusões desacatos desnaturezas não, não, já nem ódio queria, que encontrasse ao menos a tênue melancolia, aquele como-estar-debruçado-na-sacada-num-fim-de-tarde, a tristeza, a solidão, a paixão: qualquer coisa intensa como um grito.